segunda-feira, 15 de junho de 2009

Investimento privado em Sustentabilidade: gastar mais ou melhor?


Por Orlando Lima*

Nas próximas semanas estaremos conhecendo uma nova fornada de Relatórios de Sustentabilidade das Empresas do ano de 2008, que devem trazer algumas surpresas não tão inesperadas assim. A primeira e mais óbvia é a provável redução dos investimentos em ações e projetos ambientais e sociais, principalmente devido à crise econômica que levou as empresas a apertarem os cintos, buscando sobreviver em tempos adversos. No entanto, os desafios socioambientais que motivavam tais investimentos permanecem e possivelmente se agravaram em regiões mais vulneráveis, que viram desaparecer empregos, a redução da atividade econômica e o empobrecimento de comunidades e municípios.

Uma questão que estará cada vez mais no foco dos debates é sobre a efetividade dos gastos e investimentos privados em ações sociais e ambientais, reportados nos Relatórios de Sustentabilidade. Dependendo do segmento de indústria que se analise, os recursos aplicados nesses projetos podem ser significativos em relação à própria receita ou investimento total da empresa, porém com parâmetros ainda tênues de avaliação de sua efetividade.

A primeira dificuldade enfrentada por muitas empresas é conhecer quanto efetivamente gastam e investem em projetos e ações socioambientais. Os planos de contas das empresas frequentemente não estão preparados para uma apuração precisa, além das dificuldades de classificação de gastos sociais e ambientais incorporados nos próprios processos produtivos ou em rubricas comerciais e administrativas. Acrescentando-se ainda discussões conceituais sobre “investimento social” ou “ambiental”, em função da motivação desses gastos, se de caráter obrigatório ou voluntário, entre outras questões, ficam claros os desafios para elaboração de um quadro claro desses investimentos.

No entanto, analisar o total dos gastos em ações sociais e ambientais costuma ser revelador e abre novas possibilidades de melhoria dos processos de gestão. Essas análises costumam apontar gastos redundantes que podem ser otimizados, projetos sem resultados objetivos e gastos recorrentes de “balcão”, ou seja, de atendimento interminável de demandas das comunidades, na ausência de ações estruturantes que gerem soluções permanentes que minimizem gastos puramente assistencialistas.

Conhecidos os gastos e investimentos sociais e ambientais, a próxima tentação é avaliá-los por comparação com outras empresas do mesmo ramo especialmente a nível internacional. Essas comparações, eventualmente tranqüilizam (ou intranquilizam) gestores, mas todo cuidado é pouco, pois essas análises podem embutir distorções significativas. Além de diferenças de critérios, as condições sociais e ambientais nos locais onde cada empresa opera têm grandes diferenças, determinantes para tornar muitas comparações inadequadas. Empresas operando em países desenvolvidos, em países emergentes ou em regiões mais pobres como alguns países africanos podem ter demandas e perfis de gastos sociais e mesmo ambientais absolutamente distintos.

Como é possível saber se o nível de gastos e investimentos socioambientais é adequado ou inadequado? Comparações bem fundamentadas ajudam, mas o guia principal deve ser em última análise a execução de uma política de sustentabilidade traçada pela empresa e alinhada ao seu direcionamento estratégico. Elevados investimentos sociais em empreendimentos situados em regiões pobres ou investimentos em tecnologia visando à redução de emissões de gases de efeito estufa podem ser vitais para empresas que enfrentam esses desafios e a política de sustentabilidade da empresa deve fornecer as diretrizes para esses investimentos. Uma vez estabelecida uma Agenda Estratégica de Projetos de Sustentabilidade, é possível traçar resultados almejados e níveis de produtividade que fornecem parâmetros apropriados para avaliação de custos e investimentos socioambientais.

Muitas oportunidades de aumento da produtividade do investimento socioambiental residem dentro do próprio setor privado. Em grandes empreendimentos industriais e cadeias produtivas operam centenas de empresas e fornecedores, mas o potencial de cooperação entre elas ainda é subaproveitado. Todas essas empresas enfrentam os problemas semelhantes e devem ser parte da solução, através da articulação de uma visão compartilhada de sustentabilidade, suportada por uma governança que integre os esforços e otimize recursos. Um dos casos mais evidentes desse tipo de cooperação é o esforço para capacitação de mão de obra na região para atendimento ás demandas das empresas. Mesmo nesse front há muito que evoluir, sem falar da necessidade premente de ação conjunta para minimizar impactos ambientais das empresas no território.

É também frequente que empresas se deparem com demandas e necessidades que extrapolam suas responsabilidades diretas incluindo projetos de responsabilidade de governos de regiões onde têm suas operações. Exemplos desses casos são a necessidade de infraestrutura em municípios onde empreendimentos industriais estão se instalando e a ampliação de serviços públicos de educação e saúde para atender demandas sociais e de crescimento da comunidade. Nesses casos o investimento privado pode exercer papel estratégico como multiplicador de investimentos públicos e de outros atores, através de convênios de fornecimento de recursos técnicos e suporte institucional. O investimento privado como incubadora de soluções sociais é outra possibilidade de atuação estratégica. A construção de conhecimento e práticas sociais bem sucedidas e adaptadas à cultura local pode servir de base para políticas públicas que universalizem resultados sociais pela ação do poder público local com seus próprios recursos. Esse efeito multiplicador local é um claro indicativo de eficácia do investimento social privado, que deixa de ser uma “gota no oceano” dos problemas sociais e passa a alavancar recursos da sociedade em prol de soluções e resultados transformadores na região.

Antes de gastarmos mais, precisamos gastar melhor. A boa notícia é que há muito a ser feito. Com um foco claro de investimentos estratégicos em sustentabilidade, é possível gerar convergência na aplicação dos recursos já disponíveis e mobilizar os principais atores da sociedade para a superação de desafios existentes, gerando benefícios para todos.

* Orlando Lima é Colunista de Plurale, escrevendo um artigo por mês. É Diretor da Janus Consultoria em Sustentabilidade e Ex-Diretor de Desenvolvimento Sustentável da Vale. E-mail: orlando@janusconsult.com.br

(Envolverde/Revista Plurale)



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