quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Fundo Amazônia tem de atender comunidades e pequenas organizações, diz sociedade civil.


Postado por Oswaldo Braga de Souza
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Foi unânime o diagnóstico feito na quinta-feira passada, último dia da reunião entre sociedade civil e movimentos sociais sobre o Fundo Amazônia: os procedimentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) tornam impossível o acesso de pequenas organizações e comunidades aos recursos do fundo, criado em 2008 pelo governo e gerido pelo banco para captar recursos de doações e investi-los em prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, conservação e uso sustentável da biodiversidade.


Realizada em Brasília, a reunião apresentou um panorama de análises e relatos de organizações que monitoram as operações do BNDES ou negociaram projetos com o fundo. De acordo com essas organizações, a avaliação de propostas do Fundo Amazônia é semelhante àquela usada pelo banco para financiar grandes empresas. O resultado é que até agora apenas grandes ONGs e órgãos públicos, que dispõem de boa assessoria técnica, conseguiram aprovar projetos. O custo administrativo para elaborar e negociar projetos foi apontado como um dos principais obstáculos para acessar os recursos.


Ao final do evento, foram elaboradas recomendações que serão encaminhadas ao Conselho Orientador (Cofa) do fundo pela representação da sociedade civil. Para os participantes, o banco precisa tornar mais transparente o processo de avaliação de projetos e diminuir as exigências burocráticas para a assinatura de contratos sob pena de excluir de sua clientela populações indígenas e tradicionais, quem sempre protegeu a floresta amazônica.


Outra proposta foi definir regras especiais para fundos de pequenas iniciativas que possam descentralizar a distribuição de recursos. A ideia é reunir e sistematizar experiências que possam servir de exemplos a ser apresentados ao Fundo Amazônia, como o programa Projetos Demonstrativos (PDA), do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Organizações e redes que participaram do evento também pretendem buscar outros fóruns e interlocutores dentro do governo para discutir alterações nos procedimentos do fundo.


Cerca de 70 pessoas estiveram na reunião, entre representantes de ONGs ambientalistas, do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Conselho Nacional de Populações Extrativistas (CNS) e Confederação Nacional de Trabalhadores na Agricultura (Contag). O evento ocorreu de terça a quinta-feira e foi organizado pelo ISA, GTA e WWF, com apoio dessas redes e do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). Na terça-feira, os participaram discutiram propostas para o regime nacional de redução de emissões por desmatamento e degradação (saiba mais).


Exclusão


“A discussão foi importante para esclarecer dúvidas das organizações e apontar alternativa para aprimorar o tratamento do BNDES ao público que deve ser beneficiado pelo fundo”, diz Adriana Ramos, secretaria executiva adjunta do ISA e representante da sociedade civil no Cofa pelo Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais pelo Meio Ambiente e Desenvolvimento (FBOMS). Ela explica que as recomendações feitas durante a reunião serão encaminhadas ao conselho com o objetivo de se definir uma agenda de debates sobre esses temas.


“A resistência do BNDES em mudar o tratamento aos pequenos continua muito grande. Os valores apresentados por eles como teto de financiamento para cada projeto estão muito distantes do novo universo”, informou Fani Mamede, representante no Cofa e assessora de Meio Ambiente da Contag. Ela coordenou o grupo formado durante a reunião para elaborar propostas para facilitar o acesso de pequenas organizações ao Fundo Amazônia. Entre elas, está o estabelecimento de prazos e a diminuição do número de etapas na avaliação dos projetos.


“A análise de propostas feita pelo fundo é muito mais contábil e financeira do que conceitual. Em certo nível, os projetos não estão sendo analisados por seu mérito”, criticou Osvaldo Stela, coordenador de projetos do Ipam. A organização negocia há quase dois anos financiamento para uma iniciativa e, segundo Stela, já gastou pelo menos R$ 15 mil para elaborá-la e discuti-la com a equipe do fundo. “Se todas essas exigências feitas na avaliação estivessem conseguindo levar o dinheiro até as comunidades, eu concordaria. Mas têm servido apenas para beneficiar quem tem recursos excedentes e excluir quem não tem financiamento externo e estrutura.”


Os participantes destacaram a necessidade dos custos administrativos de elaboração e gestão dos projetos serem cobertos pelo Fundo Amazônia. Outra proposta feita na reunião foi instituir uma linha de financiamento para fortalecimento institucional das organizações de base para treinar seus funcionários e capacitá-los a tocar suas iniciativas.


“Deveríamos avaliar a compatibilização da atuação do Poder Público com os objetivos do Fundo Amazônia. Isso é a referência para avaliarmos sua eficácia. A política de desenvolvimento vigente hoje para a Amazônia está devastando a região”, ponderou Mateus Otterloo, representante do Fundo Dema. De acordo com ele, o número e o tipo de qualificação dos funcionários do Fundo Amazônia são claramente insuficientes. O Fundo Dema foi formado em 2005 a partir da doação de três mil árvores de mogno derrubadas ilegalmente a título de indenização por impactos ambiental. Em quatro anos, financiou 208 projetos com o teto de R$ 20 mil no sudoeste do Pará.


Repetidas falas durante a reunião lembraram que o BNDES é hoje o principal financiador de grandes projetos de infraestrutura, mineração e agropecuária na Amazônia, considerados promotores do desmatamento e concentradores de renda. Para a maioria dos participantes, o banco precisa mudar sua estratégia para a região ou o Fundo Amazônia acabará servindo para tentar mitigar os impactos que os próprios investimentos do BNDES provocam. Numa nova estratégia para a região, deveria estar incluída a avaliação dos impactos conjuntos, negativos e positivos, dos projetos financiados pelo banco, incluindo aqueles custeados pelo Fundo Amazônia, de modo a aferir se ele de fato cumpre com seu objetivo: combater o desmatamento e estimular o desenvolvimento sustentável.

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