Fábio Angeoletto
As ciências naturais, de maneira inconteste, nos fornecem muitas evidências da complexidade da evolução da espécie humana. O velho mito segundo o qual nossa evolução “biológica” foi superada pela evolução da cultura tem dado lugar a uma explicação mais abrangente sobre nossa natureza animal.
Em outros termos, não somos apenas um produto cultural, mas antes, um amálgama intricado entre biologia e cultura, e, absolutamente, de nossa biologia derivam profundas influências sobre nossas práticas culturais.
Como exemplo, podemos dissertar sobre nosso apetite por álcool. Não somos os únicos primatas a apreciar o álcool: outras espécies de macacos também o apreciam, ao ponto de ingerirem grandes quantidades de frutos fermentados (onde açúcares foram convertidos em etanol). Alguns primatologistas, inclusive, relatam casos de grande euforia entre macacos que usualmente se alimentam com esses frutos.
Dessas observações nasceu a “hipótese do macaco bêbado”, formulada pelo biólogo Robert Dudley, da Universidade da Califórnia. Segundo Dudley, a atração pelo álcool conferiu aos primatas uma vantagem na competição com outros animais por frutas maduras. Ao fermentarem, as frutas desprendem o odor característico do álcool, que se dispersa pelo vento, indicando aos primatas a presença de fontes alimentares. Seguindo o cheiro do etanol, nossos ancestrais teriam mais facilidade para encontrar frutos nutritivos. Pela óbvia vantagem evolutiva que esse comportamento representa, ele teria sido selecionado no decurso de nossa evolução.
A hipótese do biólogo estadunidense encontra suporte em evidências variadas. A principal delas é genética: temos várias enzimas cuja única função é metabolizar o etanol que ingerimos. Ademais, há estudos que sugerem que, em pequenas quantidades, o álcool é benéfico à saúde: o consumo moderado, por exemplo, de vinho tinto parece retardar o envelhecimento do músculo cardíaco.
Nosso prazer em beber umas cervejas geladas, ou em degustar um bom vinho (“vinho é poesia engarrafada”, escreveu o poeta...) há que ser também analisada desde um ponto de vista cultural. A extraordinária capacidade dos seres humanos em criar ferramentas e modificar ambientes os permitiu ir além dos resquícios de álcool contidos em frutas fermentadas. Temos quanto álcool quisermos, podemos beber até a morte, e, de fato, milhões de vidas foram ceifadas pelo seu consumo.
Eis o mais paradoxal dilema de nossos tempos: vivemos milhares de anos em ambientes onde a busca por alimentos era uma tarefa perigosa e difícil. Evidentemente, nosso apetite por açúcar, álcool e gordura evoluiu num contexto onde um pouco mais de comida poderia significar a diferença entre a vida e a morte, entre gerar descendentes, ou não.
Imagine que pudéssemos transportar pelo tempo um ser humano de 20 mil anos atrás, e que pudéssemos metê-lo em um hipermercado. Qual seria a imensa surpresa e o deleite desse pré-histórico, ante a fartura de comida... Hoje (ao menos alguns de nós) vivemos na sociedade da abundância, e o excesso nos adoenta. E os excessos, curiosamente, alimentam o ciclo eterno que gira em nossas cabeças animais: nossa gula é biológica, nosso aparato cultural nos permite saber que podemos combatê-la queimando calorias, através de exercícios físicos
FÁBIO ANGEOLETTO
Biólogo da Rede Nacional Observatório das Metrópoles
fabio_angeoletto@hotmail.com
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