domingo, 26 de abril de 2009

Mais economia, menos geração de energia


dom, 26/04/09
por Aldem Bourscheit |
categoria Notícias
| tags apagão, aquecimento, energia, tecnologia


Engenheira agrônoma formada pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Querioz (ESALQ/USP), Karen Suassuna trabalha com políticas públicas para a área ambiental desde 1998. É mestre em Gestão Ambiental pela Universidade de Oxford (Inglaterra) e desde maio de 2006 integra a equipe de Mudanças Climáticas da organização não-governamental WWF/Brasil, onde coordenou o lançamento da Agenda Elétrica Sustentável 2020. Nesta entrevista, explica porque as termelétricas ganharam mais espaço na produção de eletricidade, afirma que investir em economia é mais barato do que aplicar em mais geração, aponta possibilidades para uso de fones alternativas no país e avisa que geração hidrelétrica e conservação da Amazônia não podem ser dissociadas. Confira abaixo.

1) Conforme o último balanço oficial, a matriz energética brasileira está ganhando mais geração térmica, enquanto a participação de fontes alternativas segue irrisória? Por quê?
Isso ocorreu porque, nos leilões para produção de eletricidade realizados pelo governo no ano passado, houve uma predominância das termoelétricas. Assim, foram feitos contratos com empresas que irão gerar energia queimando carvão, óleo ou gás. O porcentual da hidroeletricidade na matriz também se reduziu. Mesmo assim, cerca de 82% da energia consumida no país é hidrelétrica. É um dos maiores índices do mundo. O que a gente percebe é um avanço mais lento da hidroeletricidade e que esse espaço deveria ter sido ocupado por outras fontes renováveis, não por fontes a carvão ou óleo, enquanto novas usinas hidrelétricas não são eram aprovadas. Não houve visão estratégica para se promoverem mais leilões com energia eólica ou biomassa. Este ano deve ocorrer um novo leilão, só para eólica.

2) Investir em economia e eficiência energética é mais caro ou mais barato do que elevar a geração? O Brasil não aprendeu nada com o Apagão de 2001?

Trabalhos técnicos demonstram que o investimento na economia de energia é mais barato do que se investir na infra-estrutura para geração. Assim, se faz mais com menos, pois em médio prazo os investimentos em economia se pagam. Um exemplo: se um cidadão comum instala aquecimento solar em sua residência gasta em média por volta de R$ 2 mil. Esse investimento se paga em três anos com a economia na conta de luz. E como os equipamentos duram por volta de 18 anos, há mais quinze anos de economia. Análises não-governamentais sobre eficiência energética em vários setores mostraram potencial entre 25% e 30% para economia de eletricidade. Mas no planejamento, o governo é menos ambicioso, apontando de 3% a 5% em potencial para eficiência, direcionando menos investimentos para essa área. Para mudar determinadas situações, precisamos de um conjunto de políticas, investimentos, incentivos e até restrições. O Brasil é famoso pelas etiquetas sobre consumo em eletrodomésticos e afins, mas precisamos de mais diálogo com a população e revisões constantes dos padrões de eficiência. Poderíamos ter mais ambição nessa área.

O Apagão deixou uma bela lição, quando os brasileiros conseguiram reduzir o consumo de energia em até 30%. Mas, depois, não houve uma atenção tão grande com eficiência e economia de eletricidade. Se houvesse, poderíamos ter hoje uma demanda menor por energia. Eficiência é algo que precisa ser trabalhado de forma constante.

3) Faz algum sentido o governo promover a instalação de aquecedores solares em casas populares e, logo depois, cortar a zero os impostos para venda de chuveiros elétricos, que consomem muita energia?

É um passo importante que programas governamentais incluam opções tecnológicas de baixo impacto ambiental, mas um segundo passo seria tornar os aquecedores solares mais baratos, para que outras residências em todo o país incorporassem essa inovação. E quando você incentiva o uso de chuveiros elétricos acaba sendo uma contradição.

4) Observando o território brasileiro, quais são as oportunidades concretas para aproveitamento de fontes alternativas?

Nas regiões Sudeste e Nordeste há oportunidade para que mais usinas de açúcar e álcool também possam gerar e jogar energia no sistema nacional, a partir da queima do bagaço de cana-de-açúcar. Essa geração mais próxima do mercado consumidor diminui perdas na transmissão. A cana, se for plantada com sustentabilidade, dentro de um programa de zoneamento ecológico-econômico que respeite a biodiversidade, torna-se um produto muito interessante no Brasil. Também há enorme potencial para geração eólica no Nordeste e Sul. Já a biomassa é uma forma de se colher a energia do sol, assim como as variadas formas de aquecimento solar. Nas regiões Sul e Sudeste, até 18% da energia é usada por chuveiros elétricos nos horários de pico. Com aquecimento solar, esse problema seria reduzido. Essas tecnologias são estratégicas, e tudo que é estratégico precisa um dia começar a ser mais bem observado. Ainda estamos muito apegados ao uso de hidroeletricidade, carvão e outras fontes, com potencial quase que todo explorado no país. O potencial que temos para energias renováveis pode proporcionar bem estar a toda a população de forma sustentável.

5) Quais as relações entre geração e distribuição de energia e a conservação da Amazônia, tema do próximo episódio da série Vozes do Clima, neste domingo (26)?

Geração de energia e conservação da floresta devem estar no mesmo prato. Se a prioridade nacional for a expansão de hidroeletricidade e a fronteira para isso é a Amazônia, obviamente teremos conflitos sócio-ambientais, pois diferentes grupos têm formas diferentes de lidar com essa discussão. A geração de energia precisa ser diversificada e com fontes complementares, não só focada na expansão da hidroeletricidade ou das térmicas. Além disso, alguns estudos apontam a diminuição na quantidade de chuvas na Região Norte, no médio e longo prazos. Esse tipo de informação ainda não foi tratada de maneira adequada, estamos planejando a expansão hidrelétrica com base em idéias das décadas de 1960, 1970. O potencial para se gerar eletricidade com biomassa no Sul e Sudeste é equivalente ao do complexo de usinas projetado para o Rio Madeira (RO). A cultura dos planejadores na área de energia ainda é muito hidrelétrica. Mas o mundo está mudando.

Aldem Bourscheit

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